O “treinador-manager”
Em entrevista concedida nesta semana ao Jornalista Osvaldo Luiz da CBN-SP, o assunto fluiu para um caminho bastante pertinente às necessidades atuais do futebol brasileiro.
Falamos sobre os treinadores-manager que eram nossos grandes comandantes de tempos atrás.
Começamos com uma história que contei sobre o Prof. Carlos Alberto Silva, quando treinador do São Paulo FC – 1989-90.
Um dos grandes comandantes do futebol de outras décadas no Brasil me confidenciara sobre um diálogo que teve com o presidente do clube paulista, Juvenal Juvêncio:
– Presidente! Estou sentindo falta de um dirigente do São Paulo presente diariamente aos treinamentos!
– Carlos Alberto! Quem tem um treinador como você, não precisa de Diretor! Disse o Presidente.
Importante esclarecer que o cargo de Diretor Executivo não existia no futebol daquela época. Por isso, o professor falava de um Diretor de Futebol estatutário que era o modelo existente e ainda muito presente nos dias de hoje em clubes brasileiros. Apenas para esclarecer o quadro!
Esta troca de opiniões no São Paulo de outrora esquentou o nosso bate-papo na CBN, por isso a reflexão de hoje.
A liderança exercida pelo treinador brasileiro do passado era incontestável. Os clubes mantinham treinadores e jogadores por muito mais tempo que hoje, o que fazia a hierarquia de comando se identificar com todas as prerrogativas necessárias ao esporte coletivo.
Não há como concebermos o futebol de alto rendimento sem uma liderança de vestiário constituída pra a gestão de pessoas e construção do jogo. Ambiente de muitos conflitos de egos, interesses e tanta complexidade tática do jogo nunca poderá ser regido por várias cabeças. Sem a convergência de ideias táticas e gestão de grupo, nada se constrói. Será que estamos vendo isso no futebol brasileiro atual?
O treinador-manager do passado do futebol brasileiro era “o dono do projeto técnico” do clube. Comandava com autonomia o vestiário, centro de treinamento, construção do jogo, escalações, treinamentos, disciplina de grupo, ações decorrentes do calendário de competições e algumas outras nuances da gestão do ambiente esportivo influentes em treinos e jogos.
Importante ressaltar que o projeto técnico do clube é muito mais abrangente que o citado acima, é claro. Tudo necessariamente girando à volta da construção do jogo. Do Porteiro do clube ao Presidente, todos precisam ter entendimento e responsabilidades, cada qual em seu âmbito de importância e atuação, sobre o que move a vida da instituição – o jogo.
O treinador-manager, portanto, é o personagem que deve comandar com autonomia o núcleo mais próximo ao jogo. Este ambiente é dele.
Quando é assim, o vestiário tem dono. O futebol do clube tem cara!
Os menos atentos à complexidade que emerge da vida de um clube e do futebol em geral, numa visão simplista, vão dizer ao ler essa reflexão: – o treinador brasileiro continua com esse poder! Pois digo que estão equivocados. O treinador brasileiro perdeu grande parte da sua autonomia. Hoje, muita gente opina e interfere em tomadas de decisão no futebol do clube que antes eram exclusivamente dos treinadores.
O ex-craque Pedrinho, atualmente analista de jogo do SporTV, em conversa sobre o futebol brasileiro externava mais ou menos o seguinte: – Professor, você não acha que o treinador se fragilizou muito em seu comando de vestiário?
Já o Prof. Paulinho, atualmente treinador do Sub-20 do Cruzeiro, em momento de desabafo disse: – O treinador no futebol brasileiro é o “peão” do jogo de xadrez! Ou seja, representa muito pouco!
A verdadeira regência do futebol foi retirada do treinador brasileiro. Em consequência disso, as dúvidas sobre o jogo e tudo à sua volta surgem de todos os lados originárias justamente do “ambiente instável criado nos vestiários”. Estamos constantemente “remendando colchas de retalhos” sem nos atentarmos à origem dos problemas. É necessário entregar novamente o bastão técnico do futebol ao treinador!
Hoje, se o treinador repreende o jogador e se um jogador substituído num jogo se rebela contra a opção do treinador, o “caça às bruxas gira somente à volta do treinador”! Enquanto ele está fazendo o que o cargo de gestor de grupo e construtor de jogo num esporte coletivo lhe exige, recebe a condenação pública de mal gestor. Instalou-se uma inversão de valores no comando do vestiário do futebol brasileiro, mais um dos responsáveis por muito do que perdemos em qualidade de jogo nas últimas décadas.
Atualmente o treinador brasileiro “pisa em ovos” no vestiário sob pena de abreviar ainda mais a sua permanência nos clubes. Antes ele marchava imponente seguro do seu papel. Apenas uma metáfora!
Com raras excessões, não existe mais o modelo de treinador-manager no futebol brasileiro. Alguns poucos exemplos lutam pra fazê-lo valer, mas, se não vencem os primeiros compromissos, vêm seus castelos desmoronarem facilmente. Os estrangeiros têm tido mais regalias que os nacionais, mas precisam vencer também.
Se os treinadores brasileiros do passado não tinham grandes recursos metodológicos para a construção do jogo, tinham uma escola de liderança constituída e com vários exemplos a serem seguidos ano após ano.
Desprezar a relevância dos treinadores no projeto técnico de um clube de futebol ficou tão corriqueiro e até cultural, que nos vemos constantemente torcendo pra esse ou aquele treinador cair logo, pois após duas ou três derrotas acreditamos que são fracos, mesmo. Nestas circunstância, é provável que não saibam ainda o nome de todos os seus jogadores. Muito louco!
Os vestiários dos clubes brasileiros eram dos treinadores! Será que por isso também fomos campeões muitas vezes?
Nunca fui favorável à entrega das chaves do clube ao treinador como já assistimos diversas vezes no futebol do Brasil. Isto demonstra fraqueza e ou amadorismo dos clubes. São clubes sem ideias técnicas, sem projeto técnico. Mas as responsabilidades técnicas pertinentes ao jogo, vestiário, centro de treinamento e adjacências têm de ser dos treinadores. Não somente os resultados do jogo devem cair sobre suas costas, principalmente num quadro como esse que acabamos de pintar nesta reflexão.
Este assunto dá sempre muito “pano pra manga”!!
Até a próxima!