A “tomada de decisão” no jogo brasileiro
A opção de Neymar por aquele passe nos últimos segundos do 6X1, já histórico, sobre o PSG nos remete a reflexões importantes sobre o jogo brasileiro.
Tenho o hábito de assistir a muitos jogos das competições brasileiras de futebol, e não é difícil perceber virtudes e pecados táticos do nosso jogo.
Vou me ater às tomadas de decisões táticas dos jogadores, onde acredito estar um ponto que, se melhor trabalhado, pode alavancar a qualidade do jogo brasileiro.
Quando optou por um passe qualificado, ao invés do chute a gol, Neymar, respaldado pelos arquivos cognitivos e sensório motores de sua bagagem intuitiva, priorizou a qualidade do jogo coletivo para “tentar” alcançar o seu objetivo. Isto, talvez, já seja fruto dos hábitos adquiridos nos anos que tem de escola europeia. O Neymar poderia ter escolhido o chute a gol, logo após driblar com êxito um oponente à frente da área. É até uma solução já costumeira nos jogos brasileiros! Se o fizesse e não tivesse êxito, não estaríamos maldizendo sobre a sua decisão.
Mas não foi isso que ele fez! Limpou o lance e ofereceu uma assistência venenosa à defesa do PSG: um passe mágico para a penetração e finalização com o gol sentencial do Sergi Roberto!
Mergulhando em nossa reflexão a cerca do jogo brasileiro, quantos chutes ao invés de passes, passes ao invés de chutes, dribles ao invés de chute ou passe, condução de bola ao invés de passe… assistimos nos jogos brasileiros nas suas várias divisões?! Quantas vezes chutamos alto ao invés de rasteiro, cruzamos alto ao invés de baixo, ou simplesmente cruzamos pra ficar livre da bola, passamos para esse em vez daquele companheiro, tudo buscando uma solução que julgamos a melhor, mas que nas necessidades do jogo taticamente moderno são tomadas de decisões equivocadas.
Ao meu ver, esses erros são mais decisões táticas equivocadas que deficiência técnica no gesto. É mais um conteúdo da “escola do jogo” que da “escola do talento”. Apesar de acreditar que não há como separar as duas coisas.
Mesmo contando com a riqueza das habilidades brasileiras nos nossos jogadores, continuamos apresentando jogos de baixo e médio níveis táticos. Isto pode ter como um grande responsável os vícios perniciosos da escola brasileira que resiste à modernidade. Aquilo que já foi sucesso no passado, a importância da técnica no jogo, hoje pode ser prejudicial às exigências coletivas do “novo jogo” que evoluiu para o lado da relevância tática.
O atacante brasileiro, por exemplo, acha que ele é quem tem de fazer o gol. Ele é obrigado a pensar assim, pois cresce e se desenvolve num ambiente que acredita nisso!
Um paradigma perverso que ainda sustenta a construção do nosso jogo é acreditar exclusivamente no poder das individualidades como solução aos problemas de campo. A força desse pensamento tem nos estacionado num patamar baixo de desenvolvimento tático.
Comecei o nosso texto enaltecendo a tomada de decisão de um jogador brasileiro, Neymar, que cresceu acreditando na individualidade como o mais importante argumento do jogo. E agora estou querendo dizer que o jogo brasileiro precisa melhorar em seus jogadores a qualidade da tomada de decisões em favor das táticas coletivas.
Será que estou sendo incoerente? Quem é brasileiro e entende um pouquinho de futebol sabe do que eu estou falando. Melhorar coletivamente o jogo brasileiro nunca vai tirar o potencial individual dos nossos craques. Tanto é que o Neymar continua sendo Neymar, mesmo jogando o jogo coletivo do Barcelona. Acho até que ficou melhor!!
Para nos auxiliar no aprofundamento desta reflexão, seria bom reportar às palavras de Carles Rexach, ex-auxiliar técnico do Johan Cruyff no Barcelona. Sua colocação faz referência direta aos abusos da individualidade em nosso jogo, que vai ao cerne da qualidade nas tomadas de decisões táticas.
Sem entrar nas particularidades do jogo Barcelona 6X1 PSG, uso a assistência do Neymar no sexto gol dos espanhóis somente para ilustrar algumas das necessidades do jogo brasileiro.
A escola brasileira, desde as categorias de base, principalmente, precisa estar argumentada em conceitos que melhor qualifiquem as tomadas de decisões em campo. Pode estar havendo negligência ou ignorância neste quesito em nossa formação.
“O quê, quando, como e por quê” fazer nas várias situações de jogo deve ter um norte que orienta a tomada de decisão dos nossos jogadores. Isto desde a pequena idade. Os conceitos táticos que constroem o jogo moderno serão os grandes balizadores nas tomadas dessas decisões.
Me desculpem a grande ausência desde a última publicação!
Até a próxima!!
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