Um “puxão de orelhas” bem dado!
A imprensa inglesa critica as demissões de treinadores no Brasil!
“- Os treinadores brasileiros são sobreviventes de um jogo tóxico e tiveram que se adaptar a isso.”
O Globoesporte.com repercutiu uma matéria inglesa do Canal de TV Sky Sports sobre as recorrentes demissões de treinadores brasileiros hoje e desde sempre. Adam Bate, jornalista inglês, toca em pontos importantes destas constantes aventuras vividas nos clubes brasileiros e é bastante contundente em suas colocações.
“Na matéria inglesa existe a sugestão que o jogo brasileiro fica severamente prejudicado já que os nossos treinadores não são estimulados a criar”. (Ge)
Interessante! As aventuras táticas propostas pelos treinadores estrangeiros, dentro e fora do Brasil, geralmente são aplaudidas e algumas delas até rotuladas de geniais. Agora, quando os brasileiros experimentam algo de novo, costumamos não dar créditos e o rótulo aos nossos treinadores é o de “Prof Pardal”. Há algum tempo eu tenho dito que os treinadores brasileiros são tolhidos de “jogar taticamente com esse jogo”, pois o mais importante é não perder!
Não há exercício tático em nossas equipes, pois não existe tempo para os resultados. Por isso também a cada saída de treinador no Brasil fica sempre a sensação de coisa mal mexida deixada para o seu sucessor. Nós, treinadores brasileiros, somos coniventes ao fortalecimento deste quadro pois, não raro, costumamos dizer horas ou dias após assumir um novo projeto, que estamos “arrumando a casa”.
Na verdade, somos sempre convidados à festa do “arroz com feijão tático” e, se alguém recusa a entrar neste baile, veem outros e aceitam o convite.
Não posso ser injusto com alguns personagens do futebol brasileiro que tentam remar bravamente contra os tsunamis das nossas ignorância e pressão. Mas são raros e devem ser tratados como exceção, não como regra. Precisamos avolumar este contingente. Rendo homenagens aos heróis dessa causa, dirigentes, treinadores, jornalistas esportivos, dentre outros. Cada qual em seu ambiente e com suas ferramentas tentam contrariar a cultura malévola do imediatismo dos resultados.
A aleatoriedade das escolhas de treinadores forjou uma volumosa e confusa reserva de profissionais no mercado brasileiro do futebol. Não havendo critérios técnicos para a eleição dos selecionados a qualidade fatalmente se diluirá na quantidade. São sempre muitos candidatos para poucas vagas. Ainda assim, o que mais ouvimos nos quatro cantos do futebol brasileiros é: “não há treinadores em nosso país”. Fica difícil mesmo distinguir os bons dos mais ou menos e assim por diante. O mesmo treinador que fica um ano num clube, coisa rara de acontecer, pode não passar de um mês no clube seguinte. Façam suas apostas: – quem fica mais?
O inglês Adam Bate mostra que o único trabalho reconhecido no futebol brasileiro é o das vitórias. Como sabemos que na maioria dos casos o início dos treinadores nos clubes é sem vitórias e que são restritas as vagas para os vitoriosos nas competições que participam, ficará difícil aceitar que vamos mudar algo se não acreditarmos em ideias e ou projetos e planejamentos estratégicos.
Fernando Diniz, treinador do São Paulo e um dos nossos expoentes da construção do jogo moderno, desabafou dias atrás contra os malefícios da “máquina de triturar pessoas e profissionais” no futebol brasileiro. As circunstâncias das trocas de treinadores e outros profissionais dependentes diretamente dos resultados do campo maltratam e envergonham a comunidade do nosso futebol, aqui e pro mundo.
A matéria inglesa cita ainda o exemplo de uma grande estrela do futebol mundial, Jurgen Klopp, treinador do Liverpool, que precisou de quatro ou cinco anos para levantar um troféu de campeão. Inimaginável para o Brasil do futebol!
Tenho sido recorrente ao corroborar com as ideias do Prof João Paulo Medina que luta incessantemente e há décadas pela profissionalização do futebol brasileiro, dentro e fora do campo.
Ouvi do Prof Medina algumas vezes:
– O Brasil do Futebol precisa instaurar um foro de discussões técnicas permanente e com poder decisório para analisar, discutir e organizar o universo dos organismos que compõem os clubes de futebol e suas interfaces – o jogo / o treino / a política / o administrativo-financeiro / a estrutura esportiva / a científica / a legislativa e regulamentar…
Me desculpe Prof Medina, se acrescentei ou negligenciei em algo a sua ideia. O que tiver escrito de mais ou menos daquilo que você pensa ou falou é responsabilidade minha. Concordo plenamente com a necessidade imediata de tomadas de decisão no futebol brasileiro. Já estamos “enxugando gelo” por muito tempo!
“Segundo Adam Bate, a falta de imaginação no meio-campo é uma característica do futebol brasileiro há anos. Isso seria uma espécie de “traição às tradições do país”, mas também pode ser consequência natural de outra pressão que os dirigentes brasileiros fazem sobre os treinadores para os times jogarem na defensiva”. (Ge)
Não são raros os casos de interferências de dirigentes, estatutários e executivos, nos trabalhos dos treinadores brasileiros, desde a Base aos Profissionais. São interferências que não somam, só diminuem nos resultados finais. Fica sempre claro que não há má intenção nestas atitudes. É o querer ajudar, mesmo. Mas a ignorância sobre o que é correto no projeto de futebol faz com que estas e outras interferências nos tirem forças cada vez mais.
Obrigado à imprensa inglesa pelo “puxão de orelhas”. Parabéns ao Ge pela ênfase dada a matéria.
O poder do jornalismo é imensurável para as transformações sociais. Não por acaso, costumo dizer há muitos anos que a mídia esportiva brasileira tem papel relevante no combate ao velho e na construção do novo para o nosso futebol!
Até uma próxima reflexão!
Imagem: Bruno Ulivieri/AGIF