Foco na Escola Brasileira de futebol

Os cases Flamengo e Santos 2019 alvoroçaram o futebol brasileiro.

Estão causando mais discussões na comunidade esportiva que o trágico 7X1 para a Alemanha! Pelo menos as questões técnico-táticas, e outras de influência direta no jogo, estão sendo debatidas como raras vezes foi “na história do futebol deste país”.

O Flamengo de Jorge Jesus, mais que o Santos de Jorge Sampaoli, virou referência para tudo o que se quer de melhor em campo ou perto dele.

Apesar dos vários exageros nas análises, isso não deveria nos incomodar. Um grande foro de debates se instaurou no futebol do Brasil e espero que continue assim por muito tempo, sem desrespeito a qualquer das partes desse contexto. E que saiam importantes conclusões e/ou decisões a partir dele.

Hoje temos em nosso meio um treinador português e um argentino que estão mexendo com as nossas cabeças e nossos sentimentos. Amanhã poderão ser outros, mas temos que estar sempre prontos pra crescer com essas relações. Que não olhemos com olhos de repúdio ao que vem de fora.

Vamos aproveitar as comparações, projeções e reflexões sem negar esse ou aquele lado. Não se pode fazer “um caça às bruxas” a brasileiros ou estrangeiros somente por causa desse momento mágico que vive o Flamengo, principalmente.

Se essa linda performance do Flamengo durar quatro ou cinco anos, assim como aconteceu com o Barcelona do Guardiola, estaremos presenciando uma “grande virada do futebol brasileiro”. Nisso eu acredito!

Mas se assim não for e dentro de alguns meses “a carruagem virar abóbora”, poderemos jogar por terra uma boa oportunidade de crescimento.

Enquanto vivemos esse clima de euforia, não fechemos os olhos a todos os anos de conquistas e revelação de talentos do futebol brasileiro e a importância dos seus profissionais nesta empreitada. Afinal o Brasil “é o país do futebol” graças ao que fez em seu passado de glórias regido por profissionais brasileiros. Não podemos negar isso nunca, apesar de concordar também que não podemos apenas viver desse passado.

Se o Santos de Sampaoli e/ou o Flamengo de Jorge Jesus sofrerem um revés de performance e/ou resultados, talvez percamos um gancho importante que nos faria crescer alguns pontos na qualidade do jogo. Eles têm nos passado boas lições com os seus trabalhos.

Os problemas do futebol brasileiro são muitos e estão atrelados a uma rede de fatores que não permitiria resolvê-los somente com essa ou aquela conquista, com esse ou aquele treinador.

A escola brasileira de futebol necessita repaginar vários conceitos de política de clube; de gestão esportiva; gestão administrativa e financeira; de regência confederativa – papel da CBF; de construção de uma Liga de Clubes; de revelação e promoção de talentos; de treinamento e construção de jogo; da comercialização do espetáculo; regulamentação da profissão dos treinadores; papel da mídia  no esporte…

São várias coisas, para acreditarmos que tudo vá se solucionar em um toque de mágica. Precisamos ter freios e bons olhos em nossas análises.

Fomos carrascos com a seleção do Felipão na Copa do Mundo do Brasil, e não precisamos voltar a ser com a classe de treinadores brasileiros, quando comparamos os resultados de Santos e Flamengo aos maus momentos que alguns clubes e seus comandantes vivem em nosso Brasil. Vários aspectos precisam ser revistos.

São muitos os treinadores brasileiros que fazem ótimos trabalhos e em condições muito distintas às do Flamengo, principalmente. Sem entrar no mérito de todos os quesitos, os vestiários de Flamengo e Santos são bem mais de Jorge Jesus e Sampaoli que os vestiários dos treinadores brasileiros em outros clubes. Quem gosta da bola no Brasil, e esses são muitos milhões de brasileiros, sabe bem o que eu pretendo falar sobre o poder de vestiário.

Nos clubes brasileiros os vestiários se tornaram para os seus treinadores quase uma “sala de visitas” cheia de melindres – têm de se comportar com muito tato e gentileza, pois senão rapidamente lhes serão oferecidas as portas da rua como serventia da casa.

Alguns dos nossos treinadores têm mais liberdade de ação em seus vestiários se comparados à grande maioria dos colegas compatriotas, mas mesmo assim continuam muito fragilizados em seus papéis de líderes. Esse foi talvez o maior trunfo subtraído do treinador brasileiro de futebol nesses anos de baixa do nosso jogo. 

Como sempre diz o Professor Paulo de Castro, o Paulinho, grande amigo e formador de Base do futebol brasileiro há vários anos:

– O treinador brasileiro costuma ser o peão do xadrez no jogo de poderes dos protagonistas do nosso futebol!

Não foi sempre assim, e, por incrível que pareça, quando nossos comandantes tinham poder em seus vestiários vivemos os tempos áureos do futebol brasileiro.

Jorge Jesus, além da sua competência no ofício, é um camarada certo, no lugar certo, com os jogadores certos, clube certo, tempo certo, dentre outros pontos.

Foi mais ou menos o que também disse Joan Vila, um dos Coordenadores de Metodologia  do FC Barcelona, quando o indaguei sobre a importância do Guardiola no fenômeno Barcelona e seu jogo de passes e de posições que encantou o mundo e continua fazendo pelos clubes que passa.

– Guardiola foi o treinador certo, com o elenco certo, num clube ideal…

O mesmo poderíamos dizer do Sampaoli no Santos. A exemplo do que já havia feito na “LA U” e Seleção Chilena, principalmente, construiu um ótimo jogo no Santos, com um bom elenco, mas com recursos financeiros muito inferiores aos do seu colega português no Flamengo. Gostaria de ver o trabalho de cada um deles em clubes trocados. Algo me diz que não dariam as mesmas respostas. Talvez por isso mesmo reivindiquei a comparação com as palavras do Professor Joan Vila.

O que pretendo extrair desta reflexão?

Que percebamos o real valor do intercâmbio com treinadores estrangeiros sem negar a riqueza da nossa escola. Vamos tirar um pouco do peso das costas do treinador brasileiro e dividir de verdade as responsabilidades dos resultados com os vários segmentos que fazem o nosso futebol.

Que não nos entusiasmemos com os sucessos repentinos de brasileiros ou estrangeiros,  que podem ser passageiros se não mergulharmos fundo e por muito tempo nas questões que afligem a gestão do nosso futebol.

Acho que chega por hoje!

Quando acredito que fecho um texto fica sempre a sensação de que falta muito a dizer. Falar da complexa engenharia humana do futebol é um papel dos mais ingratos. O assunto nunca acaba. Talvez por isso também há inúmeras ideias e/ou interpretações interferindo nos rumos desse esporte. 

Até mais!!

 

Foto: André Durão

 

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