O talento e o treino

Dentre as muitas definições que a literatura esportiva especializada apresenta sobre o talento humano, fico com a de Marisa Silva, treinadora de futebol e iluminada escritora portuguesa. Ela disse mais ou menos assim:

“- O talento humano é algo que não sabemos descrever”, mas sabemos que está ali!”

Nos meus muitos anos de futebol, encantos e decepções permeiam o dia a dia testemunhando sucessos e fracassos de jogadores talentosos. Quando um “talento em potencial” me escapa às mãos, a tristeza é imensurável.

O talento humano é o primeiro socorro que vislumbramos para a solução de muitos problemas em campo, mas nem sempre e não qualquer talento.

Todos concordamos que o talento, para chegar a níveis de excelência, precisa ser treinado e/ou desenvolvido na plenitude. O que atrapalha “essa matemática”, é que alguns raros talentos costumam ter altas performances, mesmo sem tanto treinar.

E dessa evidência surgem grandes questionamentos: de onde saem as respostas de campo dos talentosos representantes do nosso futebol que nem sempre levam a vida profissional esportiva como deviam – com dedicação plena, encarnados pelo “treinamento deliberado”, com suporte científico de alto nível – tudo conforme exigem as necessidades que os fazem chegar à expertise esportiva?

Com as atenções sempre aguçadas para a observação das imensuráveis possibilidades do desenvolvimento do talento humano no futebol, só consigo ver no “algo diferente do quilate talentoso” a justificativa para alguns “milagres em campo”.

Cada indivíduo tem uma conjugação genética que limita ou escancara as capacidades de desenvolvimento do seu talento. E para embaralhar um pouco mais a nossa compreensão, as relações que o talento tem com o ambiente que o desenvolve vai construindo traços ainda mais particulares e estabelecendo novas e outras poderosas possibilidades de aperfeiçoamento.

Com o que foi dito até agora, já dá pra afirmar que eu nunca seria “um Pelé”, mesmo suando sangue em todas as minhas práticas. Concordam?

Serei sempre “eu mesmo”, mais ou menos competente, segundo o perfil da minha prática, as características do ambiente que me acolhem e, muito especialmente, o “quilate genético do talento que eu carrego”.

E, se a natureza humana e toda complexidade que a constitui me premiar com uma “conjugação talentosa para a aquisição de determinadas habilidades”, ainda posso chegar a altos níveis de performances, mesmo sem a “prática deliberada” indicada nos melhores livros que receitam os perfis e doses de treinos para o desenvolvimento do talento humano.

Quanta polêmica vou despertar com essa reflexão, mas preciso ser sincero aos meus testemunhos – o futebol brasileiro tem dado significativos exemplos dessas evidências ao longo de sua história.

Talentos aquilatados para a prática do futebol “encontram tantas facilidades para se desenvolver”, que mesmo sem os rigores do “treinamento deliberado” chegam a ótimas performances.

“Treinamento deliberado” é o nome que se dá ao treino de altíssimo nível para o desenvolvimento de talentos. Oferta de condições e respostas humanas chegam aos limites máximos das possibilidades.

“Algo especial” existe nos experts, nas distintas áreas de atuação humana, que, se ainda não está plenamente decifrado pela ciência, salta aos olhos daqueles que se envolvem nisso há tantos anos.

Recorrendo sempre ao futebol, o “quilate genético do talento futebolístico de um jogador” é componente determinante na conjugação do potencial de desenvolvimento que alcançará.

Deixando claro que o “quilate talentoso” talvez seja a denominação que melhor traduza a robustez do talento no humano diferenciado.

“- Por quê uns jogadores fazem coisas tão diferentes em relação a outros?”

Um questionamento, que por si só justificaria a existência do “algo especial em sua composição genética”, e que vai muito além da importância de tudo que cerca a vida de um jogador desde a sua pequena idade até os últimos dias da sua vida esportiva.

João Fonseca, um expoente precoce do tênis brasileiro, me estimulou nessa reflexão, quando recentemente minimizou a importância do “quilate talentoso tenista que carrega em favor do aparato de desenvolvimento atlético que o cerca. Valorizou primeiramente o empenho e o seu entorno estruturado para o alto nível em detrimento do “algo geneticamente especial que carrega em sua composição humana”. Esse é um discurso comum dentre os muitos humanos talentosos e de sucesso no esporte e em outras áreas.

Por essas e por outras, sempre acreditei que alguma coisa mais deveria ser dita valorizando o quilate talentoso humano nas proezas habilidosas dos jogadores de futebol!

Aí, num belo dia, surgiu o Romário, um “humano com talento futebolístico diferenciado”, que no auge da carreira, vaticinou corajosamente sobre suas virtudes:

“- Deus apontou pra mim e disse: esse é o cara!

“Nada deve ser fechado em conclusões” quando abordamos performances humanas. Costumo dizer aos meus atletas, que nunca ninguém saberá qual é o seu máximo. As capacidades humanas sempre encontram espaço para evolução, em tudo!

Mas, o Romário, com uma ideia simples e objetiva e palavras ainda mais, resume bem o teor dessa reflexão.

Sempre fui e permaneço sendo convictamente um profissional da ciência, e defendo o treinamento em todas as suas possibilidades como grande instrumento desenvolvedor do talento humano. Maximizar o potencial do seu desenvolvimento requer ambiente, ciência e dedicação plenos. Mas salta aos olhos que o alto nível performático de um talento, que o diferencia de seus pares, está intimamente ligado ao quilate genético talentoso que carrega. Isso é inquestionável!

Vi jogadores que treinaram muito e não chegaram nem perto de outros que pouco fizeram e performaram melhor.

“- Por isso, cabe dizer novamente: ninguém nunca será um Pelé…”, ou outro craque qualquer – se não composto geneticamente para isso!

Apresento essa reflexão para justificar também a riqueza genética que frutifica na nossa fábrica de craques do futebol. Quanta coisa poderemos fazer com a “escola do jogo brasileiro”, quando soubermos lidar com a “escola que desenvolve o talento brasileiro do futebol”.

Meio por acaso, nos tornamos “celeiro de jogadores” para o mundo! O ambiente que desenvolve talentos no futebol brasileiro se casou muito bem com os “potenciais quilates genéticos talentosos dos nossos jogadores”.

Só que, o jogo jogado até os anos 90, mais ou menos, se assemelhava àquele praticado na “escola de rua” que desenvolvia os talentos e uma maneira de jogar para o futebol no Brasil – muitos espaços no campo e especial protagonismo das ações individuais dos jogadores. Para aquela época, o trem da história conspirou em favor do modus operandi praticado no desenvolvimento de talentos e construção de jogo brasileiros.

Fizemos o que fizemos, e muito bem! Ninguém desmanchará nosso passado de conquistas!

E agora? A fábrica fechou?

– Não!

Está procurando uma identificação tática moderna que a leve para novos vôos de sucesso! Estamos demorando nesse estágio, mas vamos nos encontrar.

Enquanto isso, a Europa escancarou sua frente protagonista no futebol mundial por já jogar o jogo coletivo desde sempre. Também dá provas que sabe usar magistralmente o talento brasileiro para esse propósito. Tem nos ensinado como fazer, mas, como a construção do jogo de futebol não depende somente do campo para ser bem jogado, ainda “estamos marcando passo em estágios pouco auspiciosos”!

Chegamos a esse ponto da nossa reflexão e, como sempre, “ficam pontas soltas” para futuras e novas resenhas sobre o tema. Essa história nunca acabará!

Muito sobre a Escola Brasileira que desenvolve talentos e constrói o jogo de futebol está no meu curso Jogo Moderno para o Futebol Brasileiro. Um rico conteúdo, genuíno e instrutivo, que vai mexer com a cabeça dos treinadores e candidatos a treinadores no Brasil e no mundo. Faça o curso e mergulhe no conhecimento aprofundado desse e vários outros temas do futebol.

No link da minha Bio – @ricardo.drubscky – estão todos os caminhos que te levam à aquisição do curso.

Até a próxima!!

Foto: reprodução da internet

Quer receber mais conteúdos como esse gratuitamente?

Cadastre-se para receber os nossos conteúdos por e-mail.

Email registrado com sucesso
Opa! E-mail inválido, verifique se o e-mail está correto.

Fale o que você pensa

O seu endereço de e-mail não será publicado.