Os poderes do jogo coletivo
A organização de posicionamento em campo, sistema tático, e a posse de bola são base para a sustentação do jogo coletivo. A partir da aplicação destes dois conceitos táticos cabem vários outros e com boas respostas.
As individualidades, quando encaixadas em espaços e funções com os quais se identificam e jogando um jogo coletivo, só agregarão valor aos seus potenciais competitivos.
Em mais um final de semana com vários jogos das competições nacionais na TV, tive a oportunidade de ver e ouvir bastante coisa. Uma fala interessante vinda da mídia esportiva brasileira foi a do jornalista Bruno Formiga da TNT.
Ao comentar o Palmeiras 3×0 Athletico, pela ‘Série A’ do Brasileiro, Formiga enaltecia o crescimento do poder individual dos jogadores do Palmeiras por estarem jogando um jogo coletivo. Sem entrar no mérito das suas análises, Formiga deu uma explicação muito inteligente sobre a relação das individualidades e o jogo coletivo no futebol.
– As qualidades individuais crescem quando ‘jogam coletivamente’. E mais, as deficiências são minimizadas pelo mesmo motivo. Foram mais ou menos essas as palavras do Formiga em seu comentário.
O entendimento e a prática da sua mensagem podem ser a chave de um importante e promissor caminho que fará crescer o nosso jogo e o futebol brasileiro como um todo.
– O Palmeiras, agora, tem meias!
Era o que diziam os seus companheiros de transmissão, Alê Oliveira e André Henning ao comentar a alta de rendimento de jogadores como Lucas Lima, Gustavo Scarpa e Zé Rafael.
Muito legal ouvir isso da mídia esportiva, que é um instrumento poderoso de conscientização e transformação social. Um bom número de profissionais da imprensa especializada brasileira também está na vibe da valorização do novo no futebol e costuma externar convincentemente suas ideias a respeito. Espero que este ‘vírus’ se alastre rápido e sem fronteiras em nosso território para o bem da Escola do Jogo Brasileiro.
No mesmo final de semana de muitos jogos na TV testemunhei a fala de outro personagem da nossa mídia esportiva, um narrador de outra emissora:
– Jogar em posse de bola virou moda no futebol brasileiro!
Poderia ter sido uma boa forma de expressar qualidade ao nosso jogo, mas não soou assim a sua mensagem. Pareceu mais crítica depreciativa que elogio. Aliás, já é lugar comum ‘jogarmos pedras’ no jogo de posse de bola no Brasil, que há algum tempo é muito mais mal do que bem-entendido.
A frase do ‘jogo da posse de bola em moda no Brasil’ é o exalar do senso comum em que estacionamos o nosso conhecimento sobre as tática do jogo de futebol. Não vejo más intenções nestas e noutras opiniões do gênero. Vejo sim a premente necessidade de correr atrás das suas correções para um melhor entendimento futuro do jogo.
É fato, estamos muito mais perdidos que encontrados em relação aos rumos a tomar na direção do jogo moderno para os brasileiros. Não tenho receio em me expressar dessa forma. Minha fala representa mais desabafo que conformismo. Meus trabalhos, ideias e textos ao longo de quase quarenta anos de futebol, mostram o verdadeiro sentimento e respeito que tenho pela Escola do Jogo Brasileiro.
E saber que o jogo de ‘posse de bola / toque de bola’ foi marca registrada do futebol brasileiro e já encantou e inspirou a comunidade esportiva mundial por vários anos!…
Jogar em ‘posse de bola / toque de bola’ tem sido argumento de muitos treinadores que defendem o jogo moderno no Brasil, na nobre iniciativa de tentar dar jogo coletivo às nossas equipes e resgatar parte do que perdemos. Se queremos ver um jogo brasileiro de qualidade em alguns anos, precisamos entender e concebê-lo como fez Bruno Formiga ao analisar o Palmeiras em campo.
Claro que os treinadores construtores de jogo, aqueles que são verdadeiramente construtores de jogo, costumam ser os mais bem sucedidos em suas experiências táticas. Existem ainda outros perfis de treinadores explorando a posse de bola e outros conceitos táticos como argumento de jogo, mas aleatoriamente e sem a conexão a outras táticas que fariam dar sentido a um jogo.
Está escrito nas estrelas que não nos faltam jogadores. Jorge Jesus já falava isso, admirado com o potencial técnico do futebol brasileiro.
Nos falta jogo! Para isso, precisamos ensinar os nossos jogadores a jogar o jogo moderno. E isso não é incumbência exclusiva dos treinadores. Afinal, o futebol não é feito somente de treinadores e jogadores.
Trata-se de um alerta para a comunidade esportiva do futebol brasileiro em geral. É preciso transformar radicalmente a cultura do entender, conceber, construir e gerir o jogo no Brasil. Sem o engajamento de todos os envolvidos vai sempre faltar ‘pedaço’ à qualidade do jogo brasileiro. Por mais que haja boas intenções, a ignorante e nefasta pressão por resultados, dentre outros fatores, têm sido adversárias implacáveis da evolução.
Vamos continuar remando! O jogo não pode parar!
Abraço!