Jogar e treinar juntos dá conjunto?!

No estado de coisas do atual futebol brasileiro é difícil contrariar algumas regras impostas pela cultura tática que concebe o nosso jogo. Por aqui existe a máxima que treinar e ou jogar juntos, repetindo em jogos e treinos o mesmo grupo de onze jogadores, é fator determinante para que o time atue melhor, tenha mais conjunto tático, etc. Pensar desta forma é não querer enxergar o que acontece no futebol de grandes centros e em outros esportes coletivos.

Ao meu ver, o que rege a qualidade de um jogo de bola é, primordialmente, a sua construção baseada em princípios e conceitos táticos inerentes à natureza do esporte coletivo. Confesso, que não tem sido fácil vender essa ideia no Brasil!

Mesmo com os entraves da cultura futebolística brasileira, o Corinthians do treinador Tite tem sido um time com boas respostas de campo mesmo quebrando este e outros tabus táticos que concebem o nosso jogo. O técnico corinthiano varia constantemente a composição da sua equipe para atender suas convicções e às exigências do calendário, e nem por isso tem deixado de vencer ou ter qualidade de jogo.

Se treinar e ou jogar junto, , com a manutenção dos titulares nas escalações, fosse uma razão master para aquisição do conjunto tático e das vitórias, as modalidades de basquete, futsal, futebol americano, handebol e voleibol, por exemplo, deveriam ser reinventadas. É sabido que nestes esportes os titulares rodam sistematicamente de jogo para jogo e durante o próprio jogo e as esquipes não deixam sinais de mal treinadas ou desarticuladas taticamente. Nem seus treinadores são rotulados de inventores no mundo das táticas.

Estou convicto, assim como também estão muitos treinadores no mundo, e até no Brasil, que o que traz a harmonia no jogo de uma equipe em esporte coletivo é o encaixe das características individuais dos jogadores ao sistema tático, o treinamento sistemático de conceitos táticos coletivos de jogo respaldados pela construção de um modelo de jogo estruturado.

Combinar características individuais ao sistema tático é respeitar o que o jogador pode fazer no espaço, ou posição, em que é escalado nas várias circunstâncias do jogo. Isto em harmonia às características e posições dos outros dez jogadores do sistema. Tudo, levando-se em consideração o perfil sistêmico e complexo do próprio jogo.

Este aspecto representa apenas o início da construção do jogo que necessitará da aplicação de vários outros conceitos táticos para que se constitua um jogo em sua plenitude. No Brasil temos a equivocada crença que a escalação do onze, por si só, é solução a todas as necessidades de um jogo de futebol. Ainda vamos falar muito a respeito deste tema sob outras óticas em posts futuros.

O convite a esta reflexão vem decorrente das constatações que tenho nas práticas de treinos e jogos das equipes que dirijo . Com pouco tempo de trabalho já é possível perceber em campo a apresentação de algumas manobras táticas coletivas interessantes, fruto do respeito aos princípios de treinamentos citados anteriormente. A fixação destes e outros conceitos táticos demanda um tempo maior de treinos em relação ao que nos é dado no futebol brasileiro. Não posso deixar de mencionar este importante requisito!

Quando um elenco treina e joga sob a orientação destes três universos, qualidade de treinos, encaixe do sistema, balizados por  uma ideia de jogo, todos se adaptam rapidamente a uma forma de jogar e este jogo será capaz de criar uma identidade tática para a equipe.

É tudo tão simples assim?

É simples, mas não linear. Tudo passa pelo campo das experimentações em treinos e jogos. Sou obrigado a reconhecer que, nós treinadores, às vezes achamos que estamos no caminho certo, mas sempre haverá necessidade de rever os procedimentos. Assim como qualquer peça de arte, um jogo de futebol nunca é obra acabada! Além destas dificuldades naturais na construção de um modelo de jogo, o futebol brasileiro apresenta muitos obstáculos ao trabalho do treinador. Serão assuntos em resenhas futuras neste espaço.

Um elenco, com bem mais que os onze jogadores titulares, é capaz de assimilar uma dinâmica de jogo que tenha mais importância que a exagerada dependência que temos da força das individualidades. Não precisamos carregar o peso do treinar e ou jogar juntos para justificar a qualidade de jogo das nossas equipe.

O mais interessante nisso é que a arte individual, de quem a possui, é preservada mesmo fazendo parte indissociável do todo. Vide os destaques do Barcelona, que é a equipe que apresenta o jogo coletivo mais consagrado no mundo nos últimos dez anos.

Com treinos conceituais, encaixe do onze e uma ideia de jogo, muita coisa evoluirá no jogo brasileiro. Sem esta composição não haverá jogo e sim, o que estamos assistindo atualmente: um conjunto de individualidades bem intencionadas em campo, mas desconectado de algo mais importante que se chama ideia de jogo.

Repetir escalações traz componentes que agregam valor ao conjunto da equipe, mas não é determinante para tal. O exemplo do Corinthians 2016 nos dá boas lições a respeito!

O espaço é pequeno para tantas reflexões sobre o assunto. Levando-se em consideração que o processo de miopia tática conceitual do jogo brasileiro já se arrasta há vários anos, primeiro teremos que atacar em muitas frentes para alcançar o perfil de construção do futebol moderno de alto nível que desejamos.

Grande abraço…

 

Foto: Lucas Figueiredo/CBF

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